Diário Oficial publica portaria que autoriza travesti a usar nome social em documentos

19/05/2010 10:38

da Folha Online

 

Ela usa maquiagem, veste roupas típicas femininas e carrega um nome relativamente comum de mulher no crachá funcional. Porém, quem olhar mais de perto o documento que a identifica como servidora pública federal verá que abaixo do prenome feminino há um nome completo de homem.

J. é transexual. Hoje ela vive uma situação paradoxal: enquanto usa e-mail funcional com o nome feminino adotado há um ano e é reconhecida no trabalho por esse nome feminino, às vezes precisa assinar documentos oficiais com o nome original de homem e ainda tem estampada no crachá a contradição de sua situação.

Parte desse problema será sanada com uma portaria do Ministério do Planejamento que deve constar da edição de hoje do "Diário Oficial da União". A norma garante o uso do chamado nome social --o adotado por travestis e transexuais-- por servidores públicos do Executivo federal no ambiente de trabalho.

Em até 90 dias, o nome social será o único a constar na frente do crachá --o nome do registro civil estará inscrito no vers--, no e-mail funcional, cadastros internos, listas de ramais e comunicações internas.

Essas medidas já são parcialmente adotadas em alguns ministérios e órgãos do governo federal, mas até aqui não havia uma norma geral. Também há casos de municípios e Estados que adotaram posicionamento semelhante na esfera local.

"As instituições não estão preparadas para lidar com a sexualidade. O nome social ajuda a ser reconhecido como um cidadão de direitos. Direito a um nome", diz J., psicóloga no Ministério do Planejamento e que preferiu não se identificar.

Para Mitchelle Meira, que trabalha na promoção dos direitos GLBT na SEDH (Secretaria Especial dos Direitos Humanos), a medida é "o início de uma conquista". "A portaria vem na perspectiva de ser um padrão e não mais ficar na dependência da sensibilidade do gestor", diz ela. Saiu da SEDH uma redação inicial da norma.

A portaria, porém, não vai resolver toda a questão da identificação no trabalho, critica Sandra Michelli Gomes, transexual e servidora federal.

Ela diz que há pontos que precisam ser ajustados, como a possibilidade de usar o nome adotado na assinatura de documentos externos, na emissão de passagens e reservas de hotel a trabalho; na identidade funcional como um todo. Sem isso, o constrangimento permanece, diz ela. "O documento que me legaliza no exercício da minha profissão hoje é o nome jurídico. Isso não resolve."

Outra conquista recente do movimento GLBT foi a possibilidade de emissão de passaporte diplomático para os companheiros do mesmo sexo de funcionários do Itamaraty.

Até o dia 14, os companheiros acompanhavam a remoção dos funcionários inscritos como serviçais, na ausência de uma figura legal. Pelo menos 35 funcionários vivem uniões homoafetivas, segundo o órgão.